domingo, 14 de setembro de 2008

Objetivos e práticas da Educação Infantil

A necessidade por pré-escola aparece, historicamente, como reflexo direto das grandes transformações sociais, econômicas e políticas que ocorrem na Europa, a partir do século XVIII. Eram as creches que surgiam, com caráter assistencialista, visando afastar as crianças pobres do trabalho servil que o sistema capitalista em expansão lhes impunha, além de servir como guardiãs de crianças órfãs e filhas de trabalhadores. Nesse sentido, a pré-escola tinha como função principal a guarda das crianças.


No século XIX, uma nova função passa a ser atribuída a pré-escola, mais relacionada à idéia de “educação” do que a de assistência. A função dessa pré-escola era a de compensar as deficiências das crianças, sua miséria, sua pobreza, a negligência de suas famílias.


A elaboração da abordagem da privação cultural veio fundamentar e fortalecer a crença na pré-escola como instância capaz suprir as “carências” culturais, lingüísticas e afetivas das crianças provenientes das classes populares. Vista dessa forma, a pré-escola, como função preparatória, resolveria o problema do fracasso escolar que afetava principalmente as crianças negras e filhas imigrantes, naqueles países.


É importante ressaltar: a idéia da preparação se vinculava diretamente à compensação das carências infantis.


Essa foi a concepção de pré-escola que chegou ao nosso país na década de 70. O discurso oficial brasileiro proclamou a educação compensatória como solução de todos os problemas educacionais.


A própria coordenação de Educação Pré-escolar do MEC sugeria, naquela ocasião, a opção por programas pré-escolares de tipo compensatório.


Pouco a pouco oi sendo explicitado que esses programas de educação compensatória partem da idéia de que a família não consegue dar às crianças condições para o seu bom desempenho na escola. As crianças são chamadas de “carente” culturalmente, pois se parte do princípio que lhes faltam determinados requisitos básicos capazes de garantir seu sucesso escolar, e que não foram transmitidos por seu meio social imediato.


A pré-escola, dentro desta visão, serviria para prever estes problemas (carências culturais, nutricionais, afetivas), proporcionando a partir daí a igualdade de chances a todas as crianças, garantindo seu bom desempenho escolar.


Nos últimos anos, portanto, se ampliou o questionamento dos programas compensatórios na medida em que se foi estabelecendo um consenso de que não prestam um benefício efetivo às crianças das classes populares, servindo, muito ao contrário, para descrimina-las e marginaliza-las com maior precocidade.


É necessário, portanto, reivindicar uma pré-escola de qualidade, pois se os filhos das classes médias a conseguem via rede privada (com grandes sacrifícios, é verdade, mas ainda possível de ser obtida), os filhos das classes populares têm direito a mais do que meros depósitos.


Assim, se por tr[ás do interesse oficial podemos ver um avanço no sentido de uma maior democratização a pré-escola, é preciso, mais do que nunca, apontarmos para um tipo de pré-escola que esteja a serviço das crianças das classes populares. Nem depósito, nem corretora de carências, a pré-escola tem uma outra função, que necessita ser explicitada e concretizada; a função pedagógica.


Por outro lado, a psicologização e a medicalização das relações intraescolares têm descambado para uma verdadeira degenerescência do papel da escola, na medida em que a formação de hábitos e atitudes se tornou tão ou mais importante que o “simples” ensinar. No que diz respeito, porém, a pré-escola, tal formação de habito é considerada praticamente inquestionável, função básica das atividades desenvolvidas. Por outro lado, revela-se também como fundamental na pré-escola o incentivo à criatividade e as descobertas das crianças, ao jogo e à espontaneidade, que deveriam permear as relações infantis.


Numa visão apressada, esses dois objetivos poderiam nos parecer contraditórios afinal, formar hábitos significa treinar, condicionar a regras e padrões estabelecidos, enquanto que, propiciar o jogo criativo, num clima “espontâneo e livre” requer flexibilidade e possibilidade de invenção.


Mas, numa análise mais cautelosa, podemos perceber que essas duas finalidades não se opõem, ao contrário, elas se baseiam na mesma concepção abstrata e genérica de criança, já que não leva em consideração a sua inserção social. Tratam de uma infância fora da história.


Os dois enfoques se assemelham, na medida em que falta a ambos, a percepção das crianças como sendo parte da totalidade que as envolve. E é justamente essa ausência (nada casual, mas vinculada a toda uma visão idealista e liberal de criança, de educação e de sociedade) que a instância pedagógica pode preencher, substituindo uma prática “formadora permissiva” por uma prática política e social.


Quando dizemos que a pré-escola tem uma função pedagógica, estamos nos referindo, portanto, a um trabalho que toma a realidade e os conhecimentos infantis como ponto de partida e os amplia, através de atividades que têm um significado concreto para a vida das crianças e que, simultaneamente, asseguram a aquisição de novos conhecimentos.


Desta forma, um programa que pretenda atingir tais objetivos não pode prescindir de capacitação dos recursos humanos nele envolvidos, nem tampouco de supervisão constante do trabalho. A capacitação (prévia e em serviço) e a supervisão, aliados à dotação de recursos financeiros específicos, bem como à definição da vinculação trabalhista dos recursos humanos, se constituem em condições capazes de viabilizar, então, um tipo de educação pré-escolar que não apenas eleve seus números, mas, principalmente, a qualidade do serviço prestado à população.


Assim, apresentamos algumas diretrizes práticas que podem servir como alternativa para a concretização da função pedagógica na pré-escola. Entre elas, favorecer o processo de alfabetização.Pensamos que a grande maioria das crianças que, ano após ano, engrossam as taxas de repetência escolar, na realidade, nem sequer entendem o que seja ler. Vamos mais ale: será que os nossos professores (de pré-escolar e de 1º grau) chegam a compreender o que seja a leitura?


Alfabetizar não se restringe à aplicação de rituais repetitivos da escrita, leitura e cálculo. Ela começa no momento da própria expressão, quando as crianças falam de sua realidade e identificam os objetos que estão ao seu redor. O objetivo primordial é a apreensão e a compreensão do mundo, desde o que está mais próxima a criança até o que lhe está mais distante, visando à comunicação, à aquisição de conhecimentos, à troca.


Assim, se as atividades realizadas na pré-escola enriquecem as experiências infantis e possuem um significado para a vida das crianças, elas podem favorecer o processo de alfabetização, quer a nível do reconhecimento e representação dos objetos e das suas vivências, quer a nível da expressão de seus pensamentos e afetos.


Mas as formas de representação e expressão vão se diversificando, aos poucos, e se complexificando: de início são motoras e sensoriais (aparecem basicamente com ação); em seguida, simbólicas (aparecem como imitação, dramatização, construção, modelagem, reconhecimento de figuras e símbolos, desenho, linguagem); posteriormente são codificadas (aparecem como leitura e escrita). Compreender que a alfabetização tem esse caráter dinâmico de construção significa compreender que os mecanismos da leitura e da escrita se constitui uma parte integrante do processo, que é beneficiada pelas etapas anteriores.


Nossa ênfase recai sobre o papel efetivo que a pré-escola desempenha, do ponto de vista pedagógico, garantindo às crianças a aquisição gradativa de novas formas de expressão e reconhecimento-representação de seu mundo.


Se uma pessoa não fala, nossa atuação se dirige antes a proporcionar sua fala do que a ensina-la a falar corretamente. Corrigir seus erros, antes que ela possa falar, é leva-la a se calar... Similarmente, assegurar a compreensão por parte da criança de que ela lê quando identifica um objeto, um gesto, um desenho, uma palavra e ainda propiciar a confiança dessa criança na sua própria capacidade de entender e se expressar sobre seu mundo, precede o ensino das técnicas de leitura e escrita e, indubitavelmente, o beneficia.


Evidentemente, essa prática só terá validade se mantiver uma vinculação profunda com o trabalho realizado em uma escola de 1º grau repensada e revisada, de forma a superar a marginalização que exerce. Assim, pensamos que a pré-escola não prepara para a escolaridade posterior, nem previne seus fracassos, podendo tão somente contribuir no difícil processo de democratização da educação brasileira.


Uma programação pedagógica deve ser pensada a partir do conhecimento dos alunos em suas múltiplas dimensões e das necessidades sociais de aprendizagem que lhes são propostas.


Destacando-se para assumir o ponto de vista da criança enquanto avalia caminhos capazes de se mostrarem mais produtivos para ela, o professor pode criar um ambiente educativo que propicie a realização de atividades significativas em que a criança procura explicar o mundo em que vive e compreender a si mesma.

Material coletado no site: http://www.uff.br/feuff/departamento/docs.organizaçãomural/educaçaoinfantileleis.doc



2 comentários:

Lygia Almeida Vecina disse...

Gostei muito dessa postagem fazendo um resumo dos precursores da Educação Infantil. parabéns!!

Anônimo disse...

Texto ótimo !!